Ressarcimento

Publicado o

Este post meu que hoje recupero cá, publicou-se há 10 anos no blog Canibalismo Patrimonial Periférico do jornal galego Praza.gal. Na altura, além do meu trabalho em Arinspunk, participava intensamente em Niquelarte, um coletivo que trabalhava com o patrimônio material e imaterial de uma maneira um tanto heterodoxa 😬

No nosso País, o caminho da tradiçom à contemporaneidade percorremo-lo de súpeto, sem transiçom. Baterom pedra, madeira, telha, linho, com cemento, alumínio, uralita, náilon, e o novo e o velho ficarom separados, mas também ligados numha gram cicatriz.

Alguns chamarom-lhe "feísmo", mas devemos falarmos com claridade, isso só é lixo intelectual (mais um) cuspido desde o Polígono Industrial de Sabom. Por que feio? Por nom se ajeitar a um cânone de beleza que nunca importou às instituiçons? Por que o nosso rural e as nossas vilas dificilmente podem ser transformadas em parques temáticos patrimoniais coma muitas das ruas de Compostela? Por que escaralhamos a postal?

Poderíamos pensar que a sua afirmaçom se inseria dentro dumha estratégia meirande de asimilaçom e uniformizaçom (que existe), mas seria supor-lhes umha maior capacidade. O projeto capitalista que as nossas elites desenvolverom durante o século XX obtivo, desde a própria óptica capitalista, um resultado medíocre, e no final do processo, quiserom maquilhar parte do seu fracasso dizendo que o que foi umha adaptaçom às pressas da gente perante o seu desleixo, era algo feio que devíamos apagar. Coitados...

A cicatriz está aí, é totalmente evidente e nom pode ser apagada. Mas nom tem sentido falarmos de se é mais ou menos feia. Isso nom é o que importa dumha cicatriz. A leitura proveitosa, além de nos lembrar de que a pesar de tudo estamos vivos, é a de que toda cicatriz encerra umha história, umha história neste caso que é nossa.

Deixemos ló de mirá-la como algo do que se avergonhar e afundemos nela. Havemos saber mais do que fomos e somos, e também nos há ajudar a criar o nosso próprio relato. Porque eis, na ferida sandada às pressas com ares salgados e azedos, onde atoparmos beleza. Nom a verdadeira, isso nom existe, mas sim a nossa própria.